Confira entrevista com a diretora executiva do projeto Smart, Suzan Zielinski, publicada na revista CNT Transporte Atual.
Uma forma inovadora de pensar, debater e fazer a mobilidade urbana. Essa é a proposta do projeto Smart (Sustainable Mobility and Accessibility Research and Transformation – Pesquisa e Transformação para a Mobilidade Sustentável e a Acessibilidade), uma iniciativa interdisciplinar da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. A proposta reúne especialistas em transporte e acessibilidade urbana.
Em entrevista à revista CNT Transporte Atual, a diretora executiva do projeto, Susan Zielinski, aponta as oportunidades e os principais desafios a serem enfrentados, especialmente por países de economias emergentes, como o Brasil. “Se bem gerida, a ‘Nova Mobilidade’ pode oferecer uma plataforma poderosa para o desenvolvimento regional, a construção da comunidade sustentável e a transformação econômica”, destaca.
Para ela, chegará o momento em que a sociedade compreenderá que a era do individualismo nos transportes acabou. Susan defende a importância do uso de novas tecnologias no sistema de mobilidade urbana para tornar as cidades mais sustentáveis. Ela aponta que essas inovações englobam desde o uso de combustíveis de fontes limpas até o investimento em novos negócios.
Susan trabalhou por mais de 15 anos no Departamento de Planejamento da Cidade de Toronto, no Canadá, no desenvolvimento de liderança de transporte e de políticas e iniciativas, incluindo a estratégia antipoluição oficial da cidade. Ela também foi membro do conselho do Centro do Canadá de Transporte e fundadora membro da diretoria de Sustentabilidade da Associação de Turismo Verde. Susan também foi uma das fundadoras e dirigiu o Movimentando a Economia (MTE – Moving the Economy), uma iniciativa canadense que trabalha para catalisar e apoiar a inovação sustentável no transporte urbano.
A iniciativa Smart defende uma urbanização inclusiva, com sistemas de transportes integrados e sustentáveis. Como funciona essa proposta?
Imagine você se deslocando sem dificuldade em um ônibus movido a hidrogênio, com piso baixo, que você pode pegar na calçada em frente à sua casa, depois entrar em um elegante trem de alta velocidade, em um táxi verde. Andar de bicicleta de uso gratuito ou, ainda, usar o estacionamento onde o seu próprio carro está parado. Imagine que você pode usar qualquer combinação desses modos, todos com o suporte de aplicações de telefonia móvel ou quiosques com ponto de conexão que lhe dão informações de cada modo em tempo real, bem como as opções integradas de pagamento de tarifas. Ou talvez, em vez disso, você decide ignorar completamente o trajeto para tirar proveito do teletrabalho, do tele-shopping, do tele-banking, ou do tele-educação, em casa ou em um escritório compartilhado da vizinhança. Isso não só irá poupar horas no dia, mas também 20% das emissões de dióxido de carbono usuais para o deslocamento semanal entre casa e trabalho para cada dia que você trabalha virtualmente. Esse tipo de rede conectada de transporte está começando a surgir nas cidades ao redor do mundo, estimulada por uma rápida urbanização que exige uma diversidade de opções que sejam conectadas e "inteligentes". Isso permite que os usuários personalizem suas viagens multimodais com o objetivo de obter a eficiência máxima. Essa é a revolução chamada "Nova Mobilidade". A iniciativa Smart, da Universidade de Michigan, concentra-se em acelerar a implementação de tais sistemas e da indústria que irá fornecê-los.
De que forma deve ocorrer a integração entre iniciativa pública e privada, sociedade civil e comunidade acadêmica para a construção de soluções de transporte e mobilidade urbana?
Há uma necessidade crescente para o trabalho em conjunto dos diversos agentes públicos e privados da área de transporte. Isso envolve não apenas os departamentos de planejamento e de transportes do governo, mas também um mix mais amplo do setor público, incluindo todas as áreas pertinentes ao transporte, como, por exemplo, serviços sociais, comunicação e tecnologia da informação, habitação, turismo, desenvolvimento econômico, dentre outros. Além do setor público, o setor privado precisa participar da mesa de trabalho na construção de novas soluções, e não apenas no fornecimento de sistemas. Isso engloba tanto as grandes quanto as pequenas e médias empresas que estão chegando com alguns aplicativos, serviços e produtos mais inovadores para possibilitar um transporte porta a porta, sustentável e sem interrupções. A sociedade civil e os acadêmicos também precisam estar na mesma mesa para identificar os desafios e mobilizar soluções integradas. Eu chamo isso de "Inovação Público-Privada". A Smart vem trabalhando há vários anos para desenvolver uma metodologia simples e prática para o mapeamento e a implementação de sistemas de transporte sustentáveis, personalizados para cada região. A iniciativa Smart conduziu esse processo em mais de 20 cidades de todo o mundo.
Quais são os principais desafios em economias emergentes?
No que se refere aos transportes, é que o aumento da riqueza pode, por um lado, proporcionar aumento da posse do automóvel. Isso leva ao surgimento de significativos congestionamentos. Adicione a isso a poluição, o barulho e o caos dos engarrafamentos, que resultam em mais horas gastas no trânsito, redução da produtividade e menos tempo disponível para o convívio com família e com os amigos. Por outro lado, para aqueles que não podem pagar pelos carros, o acesso às necessidades básicas pode ser contestado. A segurança nas estradas pode ser comprometida, afetando aqueles que utilizam modos não motorizados de transporte, bem como pobres, idosos, pessoas com deficiência e outras mais vulneráveis. Isso pode levar ao aumento da disparidade social, que agrava as desigualdades já existentes.
O Brasil está no caminho correto em relação a essa nova forma de ver e fazer a mobilidade?
O Brasil é um pioneiro em inovação no campo da Nova Mobilidade. Jaime Lerner, de Curitiba, inventou uma das inovações mais globalmente disseminadas e práticas da história recente dos transportes – o sistema BRT (Bus Rapid Transit). Um dos acontecimentos recentes mais marcantes é que brasileiros, considerados amantes do futebol, fizeram manifestações nas ruas para apoiar melhores opções de transporte em vez de enormes gastos na Copa do Mundo. Enquanto isso, muitas cidades de todo o Brasil estão trabalhando para oferecer sistemas de transporte mais inclusivos e sustentáveis, algumas com a ajuda da Confederação Nacional de Municípios.
Os modelos atuais de planejamento de sistemas urbanos e de transportes no Brasil se mostram insustentáveis. O que precisa mudar?
Algumas das coisas que precisam mudar incluem os seguintes itens: fornecimento de opções mais sustentáveis para o transporte de pessoas e mercadorias; ligação entre os pontos: conectando modos e serviços de apoio ao transporte porta a porta, sustentável e sem interrupções (usando tecnologia da informação, onde possível); suporte para a inovação em nova mobilidade e empresas para fornecer esses sistemas; políticas e legislação que apoiem e permitam a transformação; novas abordagens que sustentem novos anseios para a próxima geração de transportes e não apenas veículos individuais.
Como o investimento no transporte multimodal pode contribuir para esse avanço?
Ele fornece sistemas completos e conectados que servem a todos que transportam pessoas e mercadorias, e até mesmo proporcionam a diminuição nos deslocamentos de uma forma mais sustentável, justa e economicamente viável.
De que maneira pode haver a cooperação internacional descentralizada na busca de avanços em relação à mobilidade urbana?
Com a ajuda da internet, existem redes cada vez mais conectadas de cidadãos e líderes que trabalham para transformar a mobilidade urbana.
Como é possível aliar mais qualidade de vida a retornos financeiros significativos às empresas que operam o sistema de transporte urbano?
Há pelo menos quatro maneiras de o transporte sustentável trazer oportunidades ou benefícios econômicos, bem como melhorias no que diz respeito à qualidade de vida. Ele proporciona a economia para pessoas e empresas com a otimização do sistema, fazendo com que esse seja mais rentável e conectado. Ele cria postos de trabalho, incluindo tecnologia da informação, uso compartilhado e espaço de trânsito. Ele revitaliza economias locais, fornecendo sistemas em que as pessoas não perdem tempo e produtividade no trânsito, e por meio da criação de espaços urbanos nos quais as pessoas desejem viver e trabalhar. Ele é o alicerce de uma emergente e bilionária indústria global de Nova Mobilidade. Há uma proliferação de inovações que, de forma positiva, produz rupturas nas economias maduras e emergentes. Além disso, até mesmo as grandes empresas estão repensando a si mesmos, como a Ford, por exemplo, para abastecer o futuro sustentável do transporte.
Como mudar a visão das pessoas em relação ao uso do transporte coletivo, em substituição ao individual?
Hoje é um pouco fora de moda pensar na contraposição entre o transporte público e o privado. Agora existem muitas opções diferentes, tanto públicas como privadas, algumas compartilhadas e outras não. O caminho para mudar pontos de vista é o de ver a evolução do transporte sustentável sob a ótica do que ela representa – uma transformação muito atraente, positiva e animadora que oferece mais possibilidades de escolha e é mais conectada e habilitada pela TI do que qualquer outra que já tenhamos conhecido. A geração do milênio (jovens entre 18 e 35 anos) está na vanguarda dessa concepção e dessa demanda.
Quais as consequências para os países que não buscarem essa mudança de comportamento?
As consequências irão variar, mas não serão boas.
De que forma as novas tecnologias podem contribuir para esse avanço?
Novas tecnologias de informação são as grandes possibilitadoras dos recursos multitarefa. Transformam o transporte, proporcionando planejamento integrado de viagem e o rastreamento de trajetos; pagamento integrado de tarifas e cobranças aos diferentes modais, bem como inovadores mecanismos de financiamento; gestão do tráfego multimodal integrado; melhoria da segurança de pessoas e mercadorias, automação; e redução e eliminação de deslocamentos.
Viviane Cruz