Por Patrícia Boson *
Desde a I Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972), passando por outra Conferência mundial 20 anos depois, a Rio 92, até os dias de hoje, em que vivemos a Conferência Rio +20, é claramente verificável que a gestão ambiental deixa de ser um tema específico das academias e utópico e se consolida como tema estratégico de todas as discussões que envolvam economia e desenvolvimento. Sobre utopias, segundo o Prof. José Eli da Veiga1, nada pode ser mais utópico do que contar com a possibilidade de que o mundo continue em seu atual transe, suportado pela ideia do crescimento como condutor perene da vida econômica, desconsiderando que isso é incompatível com a preservação e regeneração dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas.
De fato, 29 cientistas, liderados por Johan Rockström2, publicaram recentemente um artigo no qual definem nove limites físicos, interdependentes, para o planeta Terra que a humanidade não deve transgredir. Conforme demonstrado na
Figura 1, resultante desse trabalho, a humanidade já ultrapassou três deles: alterações climáticas, perda de biodiversidade e alterações no ciclo do azoto. Em que pese o reconhecimento de ser essa uma abordagem polêmica, o conceito de "limites planetários", tratados por outros estudiosos, como os autores da “pegada ecológica”, é reforçado pelo fato de ninguém mais crê na premissa da inesgotabilidade dos recursos naturais no planeta.
A escolha temática da Rio +20, Economia Verde, comprova esse novo cenário para o gerenciamento ambiental. Conforme o documento final resultante, são postas várias questões que refletem a necessidade de se construir (até 2020) mudanças radicais na organização da vida econômica. A gestão ambiental mais que estabelecer normas com bases em parâmetros e padrões permissionários para o controle da ação antrópica e de seus impactos na natureza (cada vez mais rigorosas), propõe regras inovadoras como, por exemplo: (i) precificação dos recursos naturais e externalidades (serviços ecossistêmicos), incluindo precificação de carbono, por meio de mecanismos como tributação, regulação ou esquemas de comércio de emissões; (ii) eliminação de subsídios que provoquem perdas dos recursos naturais, ambientais e sociais, com ênfase para a eliminação gradual dos subsídios a combustíveis fósseis; e, (iv) reforma nos sistemas nacionais fiscais e de crédito para dar incentivos de longo prazo para práticas sustentáveis, bem como desincentivos para comportamentos insustentáveis.
Nesse novo cenário, 60% das instituições financeiras nacionais da International Finance Corporation (IFC) - assinaram o Princípio do Equador, no qual é feito o compromisso de se aplicar critérios mínimos para a concessão de crédito que assegurem que, os projetos financiados sejam desenvolvidos de forma socialmente e ambientalmente responsável. Várias instituições financeiras já estabelecem, no seu rol de avaliação de risco de crédito, a demora na obtenção de uma licença ambiental ou mesmo o risco de não obtê-la, tema também da avaliação do risco de garantia refletido na demora no retorno do investimento, o dossiê do histórico ambiental da empresa. No mercado de capitais, a avaliação do risco de boicote ao produto ou à empresa. Nesse contexto, foram criados índices de sustentabilidade em diversas bolsas de valores3, cuja performance positiva traz como vantagens a redução de custos de captação de recursos, atração de melhores talentos e valorização das ações por analistas de investimentos.
Meio ambiente, ou gestão ambiental, é fator estratégico de competitividade para qualquer segmento empresarial e não poderia ser diferente na área de transporte. Atividade empresarial que compreende a prestação de um serviço em constante expansão, pois se trata de uma necessidade humana básica, intrínseca ao processo de desenvolvimento.
Tendo consciência desse novo cenário a CNT lançou, em 2007, o programa ambiental do transporte - Despoluir, com o objetivo de preparar o empresário do transporte para esse novo paradigma da competitividade. Um de seus carros-chefe é o projeto Redução da Emissão de Poluentes pelos Veículos, que objetiva promover, por meio da aferição veicular, a redução da emissão de poluentes visando à melhoria da qualidade do ar e do uso racional de combustíveis. Tem-se ainda o projeto Incentivo ao Uso de Energia Limpa pelo Setor Transportador, além de dois outros projetos auxiliares: Aprimoramento da Gestão Ambiental nas Empresas, Garagens e Terminais de Transporte e Amigos do Meio Ambiente.
Avaliando a responsabilidade do setor de transporte como contribuinte na emissão dos gases de efeito estufa (GEE), cuja redução é uma necessidade global, o Despoluir promoveu um amplo debate, que resultou em um conjunto de propostas e assertivas, encaminhadas ao Fórum Brasileiro de Mudança Climática, para as quais se coloca como parceira da implementação. Destaque para: (i) desestímulo ao uso do transporte individual motorizado e melhoria do transporte coletivo; (ii) desenvolvimento e implementação de um programa para recuperação da infraestrutura rodoviária, bem como de investimentos na transferência de modal com a diversificação da matriz de transporte; (iii) desenvolvimento e implementação de um programa para a renovação da frota brasileira, com o sucateamento da frota antiga e previsão de uma estrutura adequada de incentivos e tributação.
Todas essas questões, no cenário da competitividade empresarial, chamam a nossa atenção para um novo tema: oportunidade de negócio. Salientamos a reciclagem (sucateamento da frota antiga é um fator gerador), fortalecida pela recente promulgação da Política Nacional de Resíduo Sólido que instituiu a logística reversa (fluxo reverso de produtos - dos clientes em direção às indústrias). O Brasil recicla apenas 13% dos resíduos urbanos e isso já representa um mercado de R$ 12 bilhões. A logística reversa abre novas perspectivas de mercado para o transporte, que poder atuar atraindo e fidelizando clientes com mais uma opção de serviço pós-venda.
1Professor daFEA/USP - Resenha do livro “Muito Além da Economia Verde” do Prof. RicardoAbramovay.
2(Stockholm Resilience Centre)http://creporto.blogspot.com.br/2009/10/os-nove-limites-fisicos-do-planeta.htm.
3No Brasil, o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa- ISE.