O papel do setor de transporte no Acordo de Paris

​* Por Suzana Kahn

Divulgação/Suzana Kahn  O papel do setor de transporte  no Acordo de Paris
O setor de transporte é responsável por uma parcela significativa da contribuição antrópica ao aumento de temperatura da superfície terrestre. Ao longo do século 20, a indústria automobilística se desenvolveu com a produção crescente de veículos leves de uso privado com motores a combustão, utilizando quase que exclusivamente derivados de petróleo. Com isso, segundo o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o setor de transporte representa 27% da utilização final de energia global. Desse total, em torno de 70% são provenientes de combustíveis fósseis com alto nível de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE). O relatório apontou, também, que em 2010 o setor foi responsável pela emissão de 6,7 GtCO2, dos quais 40% foram utilizados apenas no transporte urbano.

A meta de longo prazo do Acordo de Paris é não superar os 20º C de aumento de temperatura em relação aos níveis pré-industriais no final deste século, por isso deverão ser tomadas medidas drásticas de redução das emissões. Como cerca de 80% do aumento das emissões de GEE se devem à queima de combustíveis fósseis, a questão do aquecimento global se torna um problema energético. E como o setor de transporte depende excessivamente desses combustíveis, mudanças são fundamentais para que o Acordo de Paris tenha sucesso.

As medidas de mitigação envolvem tanto alternativas tecnológicas como comportamentais. As tecnológicas compreendem desde inovações nos veículos e a utilização de fontes de energia renovável, como biocombustíveis e energia elétrica de origem renovável, até alterações na infraestrutura. O aumento da infraestrutura para oferta de transporte público, por exemplo, bem como a melhoria de sua qualidade, induziria a população a deixar de usar o carro em seus deslocamentos, opção intensiva em energia e consequentemente em emissão de GEE. As alternativas em padrões de comportamento envolvem, por exemplo, os sistemas de mobilidade compartilhada e o aumento do uso de transporte não motorizado para pequenas distâncias.

Vale lembrar que o enfrentamento às mudanças climáticas não é limitado a medidas de mitigação das emissões. O aquecimento global afetará o transporte, principalmente, por meio do aumento dos diversos tipos de eventos meteorológicos e climáticos extremos. Os impactos vão variar de acordo com as vulnerabilidades existentes, o modo de transporte e a região do planeta, mas tenderão a ser de alto custo tanto em termos humanos como econômicos, e irão exigir mudanças significativas no planejamento, no desenho, na construção, na operação e manutenção dos sistemas. As mudanças climáticas poderão dificultar a mobilidade urbana, com consequências econômicas e na qualidade de vida das populações e no transporte de carga, e apresentarão riscos de provocar o desabastecimento de cidades e o aumento do custo do produto final. Mudanças nas zonas costeiras e aumento do nível do mar poderão, em longo prazo, demandar a realocação de estradas, linhas férreas ou pistas de aeroportos, com consequências significativas para as instalações portuárias e a navegação costeira. Túneis subterrâneos, estradas e ferrovias poderiam estar sujeitos a inundações mais frequentes ou mais graves.

Portanto, a melhor forma de reduzir os riscos das mudanças climáticas é buscar o cumprimento do Acordo de Paris, em que o setor de transporte tem um grande potencial de contribuição.


* Suzana Kahn é especialista em Eng. de Transp. e professora da UFRJ.