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Impasse do diesel no Brasil

20/04/2021

Principal insumo do transporte rodoviário, o óleo diesel tem registrado sucessivos aumentos de preço, impactando toda a cadeia de custos do setor; política de precificação da Petrobras tem dificuldade para equilibrar os interesses sobre combustíveis.


Foto: Arquivo Sistema CNT

A volatilidade do dólar e o preço do petróleo, de tempos em tempos, colocam o governo brasileiro diante de uma escolha de Sofia: preserva-se ou o consumidor
– entre os quais, os transportadores, que precisam de um diesel com valor acessível e estabilizado para garantir o abastecimento das cidades e não comprometer os preços dos produtos que chegam às pessoas – ou a gigante estatal Petrobras, que precifica os seus produtos em consonância com o mercado internacional (operado em dólar) e precisa atender aos interesses dos seus acionistas.

O fato é que a empresa que domina o refino no Brasil já elevou, em mais de 30%, o valor do diesel até o momento, no primeiro trimestre de 2021, conforme dados da própria Petrobras. De acordo com levantamento da CNT (Confederação Nacional do Transporte), o diesel atingiu, em março deste ano, uma alta histórica desde a adoção, em 2016, da paridade internacional da Petrobras no preço do produto.

Entre 23 de janeiro e 6 de março de 2021, o preço médio do diesel na bomba aumentou 14,9%; e o do diesel S10, 14,1%. De acordo com a ANP, o litro do diesel atingiu R$ 4,230; e o do diesel S10, especificamente, R$ 4,297, no fim desse período.

Tal cenário gerou atrito entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o CEO da empresa, Roberto Castello Branco. O desgaste foi tamanho que culminou com a destituição do então mandatário da Petrobras e com a indicação pelo governo de um novo comandante para a companhia, o general Joaquim Silva e Luna. A decisão abalou fortemente o mercado financeiro, que a recebeu muito mal, e, diante de tantos altos e baixos, algo essencial para a atividade transportadora foi turvado: a previsibilidade. 

O presidente da CNT, Vander Costa, chama a atenção para a importância da adoção de medidas estruturais complementares, capazes de estabilizar a trajetória de preços em um horizonte de tempo mais amplo. “A previsibilidade de preços do diesel é um elemento essencial para a operação dos serviços de transporte e, portanto, para o bom funcionamento de toda a economia. 

Nesse sentido, o maior espaçamento entre reajustes da Petrobras corresponde a uma boa alternativa para a gestão da volatilidade desses preços”, afirma Vander Costa.

Isso porque o óleo diesel tem forte impacto na cadeia de custos do transporte rodoviário. Assim, configura um grande desafio para o segmento – sejam as empresas de cargas e passageiros, sejam os caminhoneiros autônomos – conviver com o aumento exponencial do seu principal insumo. Basicamente, o preço final do combustível fóssil é impactado por quatro elementos: valor de mercado, influenciado pelo mercado internacional; lucro de realização; tributação federal; e tributação estadual.



Para mitigar o avanço do preço médio do óleo diesel nos postos de combustíveis, o governo federal anunciou, no início de março, a redução para zero, durante dois meses, das alíquotas de PIS e Cofins incidentes sobre a comercialização e a importação do combustível. A medida, embora já tenha surtido efeito e tenha contribuído para estabilizar os valores do insumo, ainda é paliativa. O governo federal propôs, recentemente, aos estados que a base de cálculo do ICMS do diesel seja alterada apenas uma vez a cada três meses – e não mais
a cada 15 dias, como é hoje. A nova sistemática, se for aceita, seria usada até o fim do ano.

A política de preços

Adotada desde o final de 2016, a atual política de preços praticada pela Petrobras delimita que os reajustes sejam baseados na paridade com o mercado internacional, de forma quase que contínua. Ela consiste em repassar a flutuação do preço do petróleo para os preços dos produtos da companhia – notadamente, o diesel e a gasolina. Além de impactar o preço do combustível que os brasileiros pagam na bomba, a medida interfere
nos preços de inúmeros outros produtos e serviços que têm seus custos afetados significativamente pelos preços dos combustíveis.

Professor-pesquisador do Coppead/UFRJ (Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e PhD em finanças, Carlos Heitor Compani explica que as críticas à política de preços da estatal brasileira decorrem do fato de a empresa ser brasileira, explorar o petróleo brasileiro e ter grande parte dos seus custos fixada em reais. “A Petrobras poderia seguir uma outra política, mais simpática à sociedade brasileira. Todavia, cabe salientar que a política de preços da Petrobras compete à própria estatal, de forma
que ela pode decidir pela política que acreditar ser a melhor. A empresa possui esse direito.”

Compani salienta que a sociedade brasileira também possui o direito de se colocar antipática à política atualmente vigente, de forma democrática. Isso porque a estatal brasileira tem fortíssima influência no mercado interno, e suas decisões acabam por impactar diretamente a população brasileira. Sobre eventuais intervenções governamentais na empresa – como a ocorrida no final de fevereiro –, o especialista acredita que, por mais que o governo seja o acionista majoritário da Petrobras, deve haver um limite.

“As leis precisam ser sempre respeitadas. Deixo claro que, por mais que seja o acionista majoritário, o governo não tem o direito de apontar uma política de preços que seja a ideal para a população, e não seja boa para seus acionistas. Os acionistas minoritários precisam ser respeitados. Vejo qualquer interferência do governo na atual política como nociva ao país, pois nos tiraria credibilidade. Vejo, sim, o papel do governo de fomentar esse debate, envidando esforços para se encontrar uma solução que seja boa para todos, mas sempre respeitando
os limites que a lei impõe.”

Uma solução aventada por especialistas, a fim de evitar os sucessivos aumentos dos combustíveis e assegurar maior previsibilidade, seria a Petrobras instituir uma política de hedge para o preço do barril de petróleo praticado internacionalmente. Essa medida impactaria o preço do volume de combustíveis vendidos no mercado nacional. 

De acordo com Carlos Heitor Compani, a estatal, se lançasse mão de tal estratégia, seria capaz de garantir preços muito mais estáveis para a sociedade brasileira, pelo menos pelo espaço de tempo de seis meses a um ano. “E o mais interessante é que tal política seria capaz de garantir receitas para a companhia alinhadas com a flutuação de preços do mercado internacional”, diz. Ele completa: “Vamos assumir que a Petrobras se comprometa a manter um preço fixo de barril por seis meses, para efeito de preços dos seus combustíveis para o mercado nacional. Suponha agora que a companhia entre em uma posição comprada em contratos futuros de barril de petróleo, com vencimentos em cada um dos seis meses subsequentes e montantes da ordem de sua expectativa de vendas no mercado nacional”.

O professor explica que, apesar de a variação do contrato futuro não ser exatamente a mesma do que no mercado à vista (por questões de valor do dinheiro no tempo e risco), a teoria de gestão de riscos já consegue ajustar a posição de modo a correlacionar bastante as posições nos
mercados futuro e à vista. 

“Dessa forma, no cenário de alta, a posição tomada pela Petrobras no mercado futuro garantirá a remuneração adicional equivalente à variação positiva do preço do barril.

Por outro lado, em um cenário de baixa, essa mesma posição no mercado futuro fará a companhia ter uma receita final de acordo com o preço do barril no mercado internacional (e não com o preço do barril vendido internamente). Em resumo, sob qualquer cenário, a Petrobras teria suas receitas vinculadas à flutuação do mercado internacional, exatamente como
defendem muitos”, analisa.

Biodiesel, uma alternativa que requer cuidados

É preciso considerar que, para além das variáveis de mercado já mencionadas nesta reportagem, a precificação de um combustível depende também da sua composição, principalmente quando é constituído por mais de um tipo de fonte energética. No caso do diesel comercializado no Brasil, um dos seus componentes, o biodiesel, majora o preço de bomba por ter valor superior ao do diesel fóssil.

Respaldada por estudos técnicos, a CNT estima que a atual proporção de 13% de biodiesel poderia ser reduzida a 7% sem obstáculos técnicos. Inclusive, se procedesse dessa forma, o país se aproximaria da prática internacional. No Japão, por exemplo, o biodiesel representa apenas 5% do insumo. Na Comunidade Europeia, o teor é de 7%. No Canadá, adota-se de 2% a 4% na mistura.

Sabe-se que o Brasil tem se preparado para a fase P8 do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), cujo teor de homologação é de 6% a 7% de biodiesel puro (B100) na mistura. Isso significa que, hoje, nossos veículos pesados saem de fábrica prontos para funcionar em nível diferente daquele oferecido nas bombas.

Do ponto de vista estritamente mecânico, há desvantagens ao funcionar em um motor com teores na mistura que excedem aos testados. Pesquisas recentes confirmam a propriedade que o biodiesel tem de absorver água mais facilmente, o que pode levar a uma contaminação do tanque por micro-organismos. Esse fenômeno propicia a formação de “borra”, capaz de danificar o veículo, causando entupimento de filtros, perda de eficiência de combustão e elevação de custos operacionais.

Em frotas antigas, caso específico do Brasil, o uso extensivo de biodiesel impõe outro desafio: na queima de combustível, as gerações antigas de motores tendem a emitir mais óxido de nitrogênio quanto maior for a proporção de biodiesel. Esse gás é prejudicial à saúde, pois causa diversos problemas no sistema respiratório, e seu acúmulo é capaz de produzir chuva ácida.

A CNT continua apoiando o uso do biodiesel, mas acredita ser importante rediscutir temas, como preço, qualidade e teores, pois, além de aliviar o valor do diesel ao consumidor, sua adoção deve ser feita em quantidades tecnicamente compatíveis com a durabilidade dos motores e com a redução de emissões.



Fonte:

Revista CNT Transporte Atual (Edição Informativa da CNT - Ano XXVII - Março/2021).

Diego Gomes